SIRE RECORDS |
"I must've left a thousand times. But every day begins the same.
Cause there's a small town in my mind".
(Eu devo ter saído mil vezes, mas todos os dias começam igual.
Porque tenho uma pequena cidade em mente.)
Depois do sucesso questionável por alguns de Far, seu ultimo álbum inédito, a cantora e compositora russa naturalizada americana Regina Spektor lançou em 29 de maio o seu novo álbum, o What We Saw From the Cheap Seats, produzido por Mike Elizondo, responsável por trabalhos (produzindo e escrevendo) de Fiona Apple, Alanis Morissette (que tem um estilo levemente parecido com o de Regina). Como de costume, voz e piano se confundem em uma só melodia, ainda que de forma menos enfatizada que nos primeiros álbuns de sua carreira, mas isso ainda vai ser discutido.
Difícil mesmo é definir um conceito para
englobar todas as músicas incluídas no álbum conseguindo-se observar uma
multiplicidade de estilos, humores e sons; e pondo na equação que essas músicas
foram todas escritas em momentos diferentes da sua carreira. A cantora já afirmou
que as músicas do novo álbum foram escritas ao longo dos últimos 10 anos. Open,
por exemplo, foi escrita enquanto a cantora ainda morava na casa dos seus pais, em
2003 ou 2004. All the Rowboats, um ano depois. Dito isso, este álbum é muito mais considerado uma coletânea, ao invés de um álbum de inéditas. Então volta a
pergunta inicial: como englobar essas músicas tão “diferentemente escritas” num
todo? A resposta esteve na pergunta o tempo inteiro.
Talvez exatamente por esses motivos. Uma
história, não necessariamente linear, nem necessariamente sobre ela, nos é
contada ao longo do disco, nos fazendo perceber as mudanças que aconteceram e
que muitas ainda estão por vir. De mudar o estilo, passando por mudar de
cidade, terminar um relacionamento até amadurecer. Isso fica visível com o fato
de cada música ser escrita em um período diferente de sua vida. Músicas
escritas há 10 anos, hoje em dia muito provavelmente não fariam tanto sentido
para ela mesma quanto faziam naquela época, assim como mudou sua maturidade,
sua forma de ver o mundo, suas concepções e maneiras de ver as coisas. Aliás, a
maneira com que outros recebem essas mudanças também é abordada em What We
Saw..., tal como a confusão entre passar por essa mudança ou não. A mudança
mais duramente criticada pela mídia e por seu público foi uma mudança de
estilo. Entretanto, não foi bem uma mudança. Spektor diz sempre que um estilo
só é uma limitação autoimposta, e que ela não é assim. E deixa claro com
constantes mudanças de ritmos, melodias e voz durante uma só música, que dirá
em um álbum inteiro. O álbum é refinado, com melodias contrastantes, e considerado se não seu melhor, ao menos seu melhor esforço para chegar lá. Tem potencial para tanto, deve-se acrescentar. Seu álbum mais instigante, com certeza.
Parece ser essa mistura, do que já foi,
do que é hoje e do que pode ser daqui a apenas segundos, que a intriga.
Certamente, me intriga. Não é porque as coisas mudaram que elas não
aconteceram. Fazem parte de você, de quem é, de como se transformou no que é
hoje e de como chegou até aqui. E é desta maneira que o álbum se inicia, em uma
Small Town Moon saudosista, onde fala de uma insatisfação, uma constante
vontade de mais, mais do que o limitado que lhe é oferecido, mas ao mesmo tempo
de não querer magoar quem espera aquele limitado dela. É o terceiro single do álbum, não tendo vídeo ainda. E também de como não deve se preocupar
tanto com essas limitações impostas pelos outros, ou por si mesmo. “Cause we're going to
get real old real soon, today we're younger than we're ever going to be. Stop,
what's the hurry? Come on baby, don't you worry. Everybody not so nice”, ela
canta despreocupa, como se estivesse cantando sobre algo comum, o que não deixa de ser. Quase como um aviso de que isso acontece todo o tempo e foge completamente a nossa percepção.
Seguindo diretamente para Oh,
Marcello!, em que ela arrisca um sotaque italiano (até esse sotaque falso foi
alvo de críticas duras pelos fãs mal humorados, até ele), permanece em seu
estilo, usando de certa ironia e do refrão de Don’t Le Me Be Misunderstood,
gravada primeiramente por Nina Simone, mas interpretado magistralmente por ela, com uma graça, uma doçura impressionantes, e com algo de sons vocais que fixam como chiclete, impedindo que ouça sem repetir esses sons junto dela. Don’t Leave Me (Ne Me Quitte
Pas), segundo single, é um tópico delicado. Música que já esteve no álbum
Songs, está um pouco mais
suntuosa, claro, mais moldada e aprumada para o que pareceu uma “hora certa de
lançar a música, e do jeito que ela merecia”, como a própria disse em recente
entrevista. Com um refrão tão delicioso e divertido, que fica impraticável ouví-lo sem sorrir. E tem um clipe tão divertido ou mais que a própria música, com cenas em que é impossível não rir e não adorá-la, apesar de tão simples. Atenção na cena do pão de óculos e boina, e para a cena da fogueira em plena sala de estar. E sempre, atenção na beleza e graça de Regina.
Uma melodia completamente ao piano,
mais delicada, Firewood é algo de esperançosa, e passa algo para não
desistirmos, por mais que as coisas não deem certo todo o tempo. Elas nunca dão
certo todo o tempo de qualquer maneira. “The piano is not firewood yet, but the cold does get
cold. So it soon might be that. I'll take it apart, call up my friends, and
we'll warm up our hands by the fire”. Talvez dê vontade de desistir, de
voltar atrás, de correr para o passado, mas não se consegue correr pra lá. E
mesmo que desse, não é aconselhável. Vai doer, vai doer mais, e depois mais
ainda. Cada vez mais. Mas que sentar e se lamentar todo o sempre não é e nunca
foi solução para nada. E que se doer quando você tentar de novo, pelo menos
doerá com você tentando, e não com você sentado, se lamentando. “Everyone knows it's going to hurt, but at least we'll
get hurt trying (…) Love what you have and you'll have more love, you're not
dying. Everyone knows you're going to love, though there's still no cure for
crying”. Uma
música que não deveria ser vista como triste, mas com esperança, tendo em mente
que a música atinge como um tapa de luvas de pelica, de tão realista. E uma das
melhores do álbum, absolutamente.
Patron Saint,
uma das pérolas do álbum, tem letra provocativa e indica uma autodestruição,
tal como destruição de todas essas pessoas que a cercam, e avisa, para desistir
dela, pois a destruição é certa, destruição essa que é aprender que o amor
verdadeiro existe. “Her patron
saint, broken and lame, and absolutely insane for learning that true love
exists. So darling, let go of her hand. You'll be to blame for playing this game
and learning that true love exists”.
Em How, particularmente preferida do álbum, é introduzida com
um violino. É lenta, calma, tranquila e de uma perda de um grande amor, que
pode ter sido pelo fim de um relacionamento ou pela morte dele. Suave, tem uma
bateria de leve, e ela consegue altas notas no refrão, sem muito som para
abafar essas notas. “How
can I forget your love? How can I never see you again? There is a time and
place for one more sweet embrace. (…) I guess you know by now that we will
meet again somehow. (…) Time can come and take away the pain, but I just want
my memories to remain. To hear your voice to see your face. There's not one
moment I'd erase”. Uma
das músicas mais bonitas que ouço em tempos, com absoluta certeza.
Contrastando completamente com o resto
do álbum e principalmente com a anterior How, All The Rowboats tem uma
introdução eletrônica. Foi o primeiro single do álbum, e parece falar sobre
pinturas sendo desperdiçadas em um museu, solitárias e presas naquele momento
em que foram gravadas, e da eternização delas. Música boa,
com letra, melodia e clipe sensacionais. “First there's lights out, then
there's lock up, masterpieces serving maximum sentences. It's their own fault
for being timeless, there's a price you pay and a consequence. All the
galleries, the museums. Here's your ticket, welcome to the tombs. (…)They will
hang there in their gold frames for forever, forever and a day. All the
rowboats in the oil paintings, they keep trying to row away, row away”.
Criticando a corrupção política e
sobre nossas reações a mesma, Regina canta Ballad of a Politician, que trás uma
sensação de desconhecido, de misterioso, de algo que se mantém escondido de
nós, mas isso é costumeiro em suas canções, e de mais a mais, se encaixa
perfeitamente no contexto de algo que é feito as escondidas (a corrupção). “Shake
your ass out on that street, you’re gonna make us scream someday, you’re gonna
make us weak”. Open parece ser o começo do fim do
álbum, em partes suave como em Firewood e How, em outras fazendo um barulho que
soa como um ‘Whoa’ assustado, abafado, um grito abafado.
O álbum é finalizado com Jessica, que
ao invés de um piano padrão, vem acústica, com um violão dando sobriedade a
canção. Regina começa o álbum falando de amadurecer, de crescer, de sair da
zona de conforto, e termina cantando literalmente sobre isso com uma leveza inacreditável e de certa forma reflexiva, embargada, em frases como “Jessica,
wake up. It's February again, we must get older, so wake up”. Curta e simples, finda o álbum da
forma que começou, com chave de ouro, deixando para trás seu rastro doce e arrancando sorrisos por quem passa por aquele caminho.
Nunca disposta a permanecer na área
onde esteve há pouco tempo, e que estava dando certo, e sempre aberta a
mudanças, mantendo-nos sem saber ao certo o que esperar, e de certa forma
desapontando uns e outros que não entendem o porquê dela não continuar naquele
ritmo de 10 anos atrás. Contrário a muitos que criticaram, acompanho a carreira
de Regina crescer, mudar de um álbum para o outro, sem permanecer em mais de um
com a mesma fórmula. Uma previsível imprevisão, mas sempre incorporando
elementos novos adquiridos ao longo do caminho. Regina nos canta em algumas
músicas sobre coisas que nos parecem óbvias, mas quando cantadas por ela, por
essa voz suave que mais parece uma das melodias, tem algo de esclarecedor, como
uma epifania, como se nunca houvéssemos pensado sobre aquilo. E sua inocência
clara, que nos faz perguntarmo-nos, se ela ao menos sabe a grandiosidade das
palavras que saem de sua boca e dedos.
“Não
sou nem um pouco confessional”, ela disse em outra entrevista. Por mais que
Regina pareça estar falando de si em diversas músicas, elas podem não ter muito
ou nada a ver com ela. Diz também que vê escritores de ficção (como conta que
se assemelha mais a eles) tão intensamente emocionados e ligados, deixando um
pouco de si com o que escrevem quanto autores que deixam nas páginas estórias
que contam experiências próprias.
De acordo
com a própria, é como uma traição a musica tentar explica-la, ou
transformá-la em palavras que justificam o porquê dela ter sido escrita, já que
o ponto da musica ser criada é ela ser abstrata, interativa, experimentada, e o
quanto mais que você tenta explicá-la, você lida com algo extremamente frágil. Você a toma como ela é, e deixa os outros
terem suas próprias experiências com ela. E quando você consegue chegar a
escrever uma, se sente realmente sortudo, pois é uma das coisas que as pessoas
não conseguem explicar, entender, a criação de uma música. E que para ela,
“tentar escrever uma música” a deixa quase enojada, pois seria como manipular a
si mesmo ou a música. Que se faz verdadeira arte se você se sente inspirado.
Regina
Spektor mantém sua identidade, ainda que esteja em permanente mudança. É como
se nos fizesse querer ouvir sua voz pelo menos por um momento em cada dia, é
convidativa, mesmo quando irônica, sarcástica ou triste. Talvez para nos
lembrar constantemente que ainda podemos ser tocados, que ainda podemos sentir.
E que podemos arriscar, tomarmos aquele passo que caímos em dúvida entre tomar
ou não. É o que faz, a cada canção que escreve, a cada álbum que lança, a cada
ideia que tem, com seu experimentalismo tão gracioso.
“I am in a room I've built myself.
Four stray walls, one floor, one ceiling.
And day after day I wake up feeling… Potentially lovely,
perpetually human, suspended and open.
Open up your eyes and then...”
0 comenta(m):
Postar um comentário